segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Conversa com a Pequena Abelha


Daniel escreve no Jornal Mastercabo e eu o leio,sempre.Desta vez ele tocou fundo na minha inteligência e no meu coração.E me deixou uma pergunta: até quando???

                  Conversa com a Pequena Abelha


         O livro "Pequena  Abelha",do escritor inglês Chris Cleave,conta a história de uma adolescente nigeriana que se encontra presa na Inglaterra por ser imigrante ilegal.Junto a outras mulheres na mesma situação,consegue sair da cadeia para um destino perigoso: viver na ilegalidade,sem direitos ou documentos num país que não é seu.A alternativa possível seria a deportação,mas nenhuma delas quer isso.Nenhuma delas quer voltar para o terceiro mundo e seus dramas cotidianos.Preferem tentar esse arremedo de vida feliz e tranquila numa "nação de verdade".Pequena Abelha, a menina nigeriana, tem como mote um ditado do seu povo,e com ele leva sua vida dura e sofrida adiante: "se seu rosto está inchado das graves surras da vida,sorria e finja ser um homem gordo".Fiquei com vontade de escrever para ela ,para desabafar:
          Ah,Abelhinha,como temos fingido cá no Brasil...
          Aqui,todo ano,nossa triste novela se repete,como se valesse a pena ver de novo:enchentes,chuvas,soterramentos e muita ,muita gente morta.Nessa hora, a máscara do homem gordo e feliz cai, e nosso semblante de bobos tristes aparece.Envergonhados,chorosos,nos resta a caridade:doamos sensibilizados, a água,o pão e as nossas roupas para os irmãos infelizes que foram prejudicados.Num ano,vão para Angra dos Reis,no outro para o Sul de Minas Gerais,para Goiás Velho,para o interior de São Paulo e outros tristes destinos.De fato não temos aqui terremotos,vulcões e tornados,mas há aqui um descaso e uma apatia política que destrói mais do que qualquer desastre natural.Nossos tsunamis têm nome,número e sigla partidária.Entendo ,Abelhinha,a razão pela qual você não quer voltar para seu país.Lá,como aqui,não te tratam como gente.Não te respeitam ou pior: não te enxergam.Aqui como aí,também temos um mote,cantado geralmente de braços abertos e com um sorriso estampado no rosto:"deixa a vida me levar,vida leva eu."E assim,livres de qualquer responsabilidade ou obrigação,vamos vivendo ou morrendo.Este ano nossas doações seguiram rumo as serras do Rio de Janeiro.Mandei junto com a trouxinha de roupas uma promessa: daqui pra frente não voto mais em ninguém que não se responsabilize por estas tragédias.Político nenhum  que não retire os moradores dessas regiões de risco e os instalem em lugares apropriados receberão meu voto.Aliás,nenhum dos que passaram como governantes ou mandatários de qualquer cargo por onde que tenham acontecido essas tragédias contarão com meu apoio.Espero que outros também façam assim quando as tragédias acontecerem aqui na minha região.Ou quando acontecerem mortes por balas perdidas em bairros dominados por traficantes,ou acidentes fatais em estradas esburacadas ou quando morrerem pessoas em filas de espera de hospitais públicos.
         Vem aí o carnaval,Pequena Abelha, a festa mais linda do mundo e vestirei minha máscara para "deixar a vida me levar" mais uma vez.Mas não me esquecerei da minha promessa. Porque aqui no meu país nos acostumamos a viver numa confusão de emoções e sentimentos que há sempre uma ponta de tristeza nas nossas alegrias...vou me agarrar a ela para não esquecer do que aconteceu.É tudo que posso fazer por tanta gente que se foi.

- Daniel Bicalho in Cordel -janeiro  de 2011-

2 comentários:

  1. É mesmo muito sensivel o texto do Daniel, e como usamos a mascara do homem gordo, por aqui!
    Eu comprei o livro da Abelhinha, resisti muito, pois evito os livros que estão em destaque em toda livraria que entramos. Esta vez resolvi arriscar. Você já leu?

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  2. Não li não,mas já fiz o pedido...vc gostou????Beijos curiosos.

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